OITENTA ANOS E SETE VIDAS
Primeiro Capitulo
Caros leitores e amigos; Hoje vou dar início a um trabalho que se reveste de especial interesse. Vou escrever sobre a minha vida e a minha pessoa.
Eu digo e afirmo que tenho oitenta anos e sete vidas como os gatos. Assim afirma a sabedoria Popular !. Durante a elaboração deste trabalho, irei ter a preocupação de sintetizar o mais possivel para não me tornar monótono e fastidioso.
Sou de nacionalidade Portuguesa, nasci numa pequena Comunidade chamada Quinta do Regato, na Freguesia de Pombal, Concelho de Pombal e Distrito de Leiria. Tenho oitenta anos feitos no último dia 13 de Janeiro de 2025. Sou oriundo de uma família desfavorecida, filho de pai alcoolico, de profissão pouco definida, embora afirmasse à boca cheia ser pedreiro de profissão ! A minha Mãe, uma Senhora muito sofrida, via-se " negra " para alimentar os seus seis filhos, três rapazes e três meninas, sendo eu o mais velho de todos.. É muito dificil traduzir o sofrimento que existia no nosso agregado familiar, completamente destruturado. Nesse tempo a vida era muito dificil. Eramos oito pessoas lá em casa, todos precisava-mos e necessitavamos obviamente de alimentação, de roupas e tudo aquilo que é necessário à vida. O calçado naquele tempo não havia. Sapatos ou botas era previlégio de pessoas abastadas. Nós eramos muito pobres e tinhamos de andar descalços, porque nem dinheiro havia para comer, quanto ,mais para calçado ! Eu e os meus irmãos frequentavamos a Escola Pública, Os nossos sapatos eram de pele, mas pele igual à pele do cu !! Descalços a calcar geada, que perdiamos até a sensibilidade nos membros inferiores. Mal alimentados, mal agasalhados e ainda vítimas de violência doméstica, dificil é traduzir por palavras tão grande sofrimento.
Escrevo e descrevo tudo isto, torno público,não para que tenham pena de mim ! Mas apenas para documentar o meu percurso de vida, que nunca foi facil e sim indesejavel para qualquer Ser humano !!
O meu aproveitamento Escolar foi péssimo e não era de esperar outra coisa. Todos os dias eu era espancado, na Escola e no agregado familiar. Fiz apenas a terceira classe do ensino primário, fui repetente uma série de anos. Aos catorze anos o meu pai tirou-me da Escola e fui trabalhar para as obras.
Numa noite negra de 14 de Julho de 1961, o meu falecido pai, ao chegar a casa resolveu debaixo de uma grande bebedeira, expulsar-me da casa de familia às 22 horas da noite. Assim no meio da rua, sem dinheiro e só com a roupa que tinha no corpo, dei por mim abamdonado, literalmente botado ao abandono e à minha sorte !!
Procurei a casa do meu tio Manuel Gonçalves, bati-lhe à porta e ele recolheu-me, animou-me, arranjou-me trabalho ao lado dele na Construção Civil. Foi assim a partir do nada, com as lágrimas a correrem do meu rosto, que enfrentei todas as vississitudes da minha nova vida !!
Foram dois anos de autentica agonia. Com pouca escolaridade, fui obrigado a trabalhar e a estudar â noite para completar o 2º grau do E
nsino Primário. Conseguido com excelente aproveitamento !!
Era ainda de menor idade, resolvi ingressar na Força Aérea Portuguesa, na Escola de Paraquedistas em Tancos. Tive na altura de pedir ao meu pai que assina-se a sua autorização porque ainda era de menor idade. Sim ainda não tinha os 20 anos. Foi aqui nos Paraquedistas que aprendi a ser homem e a discernir as coisas da vida ! Ali tive um treinamento especial e duro, mas útil.
OITENTA ANOS E SETE VIDAS
SEGUNDO CAPITULO
Veio a vida Militar. Foram quatro meses duríssimos de recruta. No primeiro dia, foi para ir ao barbeiro e cortar o cabelo à máquina zero. Finda a recruta onde aprendi a conhecer as Patentes Militares, a lidar com Armas de fogo, a aprender Comunicações, a aprender Primeiros Socorros, aprender a desmontar e a montar Armas de fogo, a fazer sessões de ginástica aplicada, a aprender orientação por Carta e bússola, a aprender orientação pelas Estrelas e ainda a aprender a sobrevivencia no Campo aprendendo a fazer Armadilhas para capturar peixe ou caça.
Seguiu-se o Curso de Combate, que consistiu em conhecer e saber aplicar na prática as Técnicas de Combate de guerrilha e de contra guerrilha.
Também algo importante que foi o Curso de Paraquedismos, aprendendo a saltar da Torre e depois do Avião. Aprendendo também as técnicas de aterragem ao solo sem pôr em perigo a integridade física. Depois de todas estas aprendisagens, ainda tive vontade e tempo para tirar a Carta Militar de Condução de Ligeiros e Pesados.
Foram meses duros, antes e depois do Juramento de Bandeira. No dia do Juramento de Bandeira a Unidade fez uma Festa, tendo convidado os familiares dos Militares e amigos ! Lembro-me que foi um dia muito triste para mim. Fui olhando ao redor e não apareceu ninguém da minha familia ! Afinal eu não tinha familia ! A minha familia tinha-me abandonado e colocado na rua numa noite de Julho anos antes !! Os meus camaradas todos tiveram os familiares, namoradas e amigos. Eu não tive ninguém ! Mais uma vez chorei sem ninguém ver !! Enfim, eu estava a crescer para a vida . Senti nesse dia o abandono total !! Mas senti também uma Força interior em mim, porque era em mim que eu estava a investir. Senti-me sozinho no meio de uma multidão !!
Eu sabia perfeitamente que só dependia de mim o sucesso ou o insucesso ! Sabia também que ia para a guerra e que tinha de conhecer bem as técnicas de combate para não morrer e anular o inimigo.
Finalmente chegou o dia do embarque no Paquete Vera Cruz, no Cais de Alcara a 23 de Abril de 1966.
Foram 16 dias de viagem. Senti o meu coração´ apertado, eu estava a deixar para trás algo de mim, que fazia parte de mim ; ( era a esposa Amada uma filha e um filho em gestação ) .
De 1966 a 1968 foram tempos muito dificeis e perigosos . Foi o contacto com o inimigo, literalmente em combate, a matar para não morrer !! Participei em diversas Operações de Contra-Guerrilha, danificando ou ajudando a danificar as Bases inimigas e foi muito duro ver cair amigos que para mim eram como irmãos, Camaradas de Armas que, afinal eram eles a minha verdadeira família, pois tinha recebido instrução e treinamento ao meu lado. Muito tarde entendi, que o esforço que fizemos, foi infrutífero, poirque a nossa luta e a nossa causa não fazia qualquer sentido.
26 de Agosto de 1965 é uma data a reter. Foi neste dia que nasceu a minha filha Olinda da Conceição Oliveira. Para quem já passou por esta experiencia,, entende o regozijo e a felicidade de ser pai pela primeira vez. Mas a vida entendeu brincar comigo mais uma vez, viria a receber a notícia que o meu filho Mário da Conceição Oliveira tinha nascido. Eu era pai pela segunda vez ! Mas eu estava longe lá longe em combate onde o Sol castiga mais !!
Este afastamento no tempo e no espaço, foi muito difícil para mim e para a minha esposa na altura, a Olinda da Conceição Correia. A nossa sorte, é que ela e os nossos filhos viviam em casa dos avós maternos. Eu estava um pouco entregue à minha sorte, algures em Moçambique a cerca de 15000 Km. de distancia, a braços com uma realidade bem diferente !!
Acabada a minha Comissão de Serviço Militar, resolvi continuar em Moçambique, na Região de Gorué, Provincia da zambézia. Na Região havia campos de plantações de chá e Fábricas de transformação e embalagem para exportação.
Findo o Serviço Militar e após passar à disponibilidade,inscrevi-me como Colono nessa mesma Região do Gorué, a fazer uma actividade que eu conhecia bem ; agricultura ! O Estado fornecia maquinaria e outros meios para ex-militares se fixarem. A ideia era criar zonas tampão para que a guerrilha não avança-se. Foram-me distribuidos 500 ectares de terra fertil e por ali andei um ano a trabalhar de noite e de dia na ilusão de conseguir algo de material, pois tinha no pensamento chamar a esposa e os dois filhos para junto de mim. Passaram-me a perna e uma certa manhã, aí vou eu de mãos a abanar sem nada. Mais pobre do que no dia que lá cheguei !!
Abalei apenas com a roupa que tinha no corpo e rumei junto à beira de uma estrada que ladeava a Plantação. O primeiro carro que apareceu, estendi a mão e pedi boleia. O senhor parou e deu-me boleia e lá vou eu para a Cidade de Quelimane !!
OITENTA ANOS E SETE VIDAS
TERCEIRO CAPÌTULO
Viajei de viatura na dita boleia , do Gorué para Quelimane. Ali chegados, a pergunta foi obvia, quais as minha intenções ?Para onde ia eu ? Onde ia dormir ? onde ia comer? Respondi ao Sr Alberto Domingues que não sabia ! Respondi; ( Não conheço aqui ninguém e não tenho mais nada que a roupa do corpo ). Há algo que tenho sempre comigo respondi !! Tenho sempre Deus no meu coração e na minha vida e sinto que Ele, me socorre sempre que me encontro em dificuldades !!
O Sr. Alberto Domingues, aquela Alma bondosa que me deu boleia, teve então uma ideia ; Vamos até ali ao Pavilhão do Ferroviário, onde a Comunidade Portuguesa local costuma a frequentar. Lá fomos ambos e ao entrar no Recinto deparamos com várias pessoas em convívio. Ali chegados, o Sr. Alberto Domingues falou em voz bem audível ; ( há aqui alguém de Pombal ? ) Numa das mesas ouviu-se uma voz e um braço levantado. Eu sou de Pombal !! Diriji-me à pessoa e só então reconheci ser o meu primo Fernando de Oliveira. Este meu primo vivia naquela Cidade de Quelimane há alguns anos e eu desconhecia. O meu primo deu-me então um forte abraço, que ainda hoje recordo com saudade e gratidão. Ele já não está entre nós, faleceu cedo de mais !! Mas onde quer que ele esteja, sabe que tem de mim toda a gratidão e as minhas Orações. A única coisa boa que lhe devo dar. Depois do abraço que me deu, o meu primo Fernando de Oliveira disse-me depois de ouvir o meu relato e que não tinha dinheiro e nem casa, portanto não tinha onde viver, ele disse ; ( Olha primo vais para minha casa vais jantar comigo e vais dormir no meu agregado familiar até conseguires resolver a tua vida. Vou emprestar-te algum dinheiro e rapidamente vais encontrar trabalho. Assim vai ser, eu vou ajudar-te porque altos e baixos todos nós estamos sujeitos. Tornou a dizer-me conta comigo, ajudar-te-hei o tempo que for preciso e sem reservas.
Fiquei assim a viver em casa do meu primo Fernando de Oliveira.No espaço de uma semana consegui trabalho como dirigente Aministrativo numa Ceramica do Monteiro & Giro Lª em Nicuadala, nas proximidades da Cidade de Quelimane ! Trabalhei e durante cerca de um ano vivi em casa do meu primo Fernando. Até ao dia em que precisaram de mim no Gorué e lá vou eu outra vez mara o mesmo lugar de onde tinha vindo. Desta vez fui trabalhar para uma Unidade de chá, com Unidade Fabril, mas como Empregado de Escritório.